Colóquio Internacional e Mesas-Redondas
O Sahel, o Magrebe e a Península Ibérica: Fronteiras, Trânsitos e Conflitos

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Sala B112.D) & Online

28 e 29 de Maio de 2024 (10h00-18h00)

Organização: Centro de História da Universidade de Lisboa

Videoconferência (Zoom): https://videoconf-colibri.zoom.us/j/97002746301?pwd=SFgyY3lFbE9sNFcyOEZJOXcyNVh2dz09

ID da reunião: 970 0274 6301; Senha: 851511

Oradores: Aaron Y. Zelin (Brandeis University), Francisco Freire (Universidade Nova de Lisboa), Gonçalo Matos Ramos (Universidade de Lisboa), Hermenegildo Fernandes (Universidade de Lisboa), Inês Lourinho (Universidade de Lisboa), Joas Wagemakers (Universiteit Utrecht), Rahal Boubrik (Université Mohammed V de Rabat), Ricardo René Larémont (Binghamton University) e Timothy Insoll (University of Exeter)

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Colóquio internacional e mesas-redondas

O Sahel, o Magrebe e a Península Ibérica: fronteiras, trânsitos e conflitos

 

O Sahel tem sido especialmente atingido pela instabilidade política e pela guerra ao longo da última década. A pulverização do regime líbio, em 2011, o retorno aos seus territórios de origem dos batalhões tuaregues, recrutados por Mu‘ammar Khadāfī com promessas de apoio na fundação do estado do Azawad, e o tráfico de armas gerado pelo desmantelamento do arsenal do presidente são causas diretas conhecidas. Num ecossistema em que, por natureza, todos os elementos são interdependentes e se influenciam, junta-se à conjuntura líbia a história recente da Argélia, onde a presença da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI) tem potencial para moldar a sucessão de acontecimentos nos territórios vizinhos. Correlato do fim da guerra entre o Afeganistão e a Rússia, em 1989, que conduziu a casa muitos combatentes islâmicos, estes grupos são ainda herdeiros da guerra civil argelina, que teve o seu término em 2002, mas que se prolongou por toda a década de 1990, catalisada pelo golpe militar que impediu a Frente Islâmica de Salvação (FIS) de assumir o poder após um pleito eleitoral livre.

 

Mais recentemente, a queda de Raqqa, em 2017, e a desagregação do DAESH no Oriente, que já se fazia sentir desde 2015, trouxeram também combatentes magrebinos aos seus territórios natais, nomeadamente, a Marrocos, à Argélia, à Líbia e à Tunísia, mas também ao deserto do Sara, onde células do movimento fundado pelo jordano ‘Abū Muṣ‘ab al-Zarqāwī e depois liderado pelo iraquiano ‘Abū Bakr al-Baghdādī têm provocado tensões continuadas com grupos afiliados na AQMI, adensando ainda mais a natureza dos conflitos regionais.

 

As consequências da política acabam, contudo, por ser agudizadas por aspetos ambientais. As alterações climáticas, com a retração das bacias hidrográficas, provocam fomes, espoletam conflitos entre as sociedades nómadas pastoralistas e os agricultores e põem as populações sob pressão migratória, nas mãos do tráfico humano. A disputa por recursos naturais, como petróleo, urânio e ouro, é mais um fator de instabilidade – e a pesca ilegal em águas da África Ocidental faz perigar espécies e ameaça as, já de si, frágeis condições de vida.

 

Ainda assim, um medievalista poderá suspeitar de que estas dramáticas causas diretas são sobretudo gatilhos que desequilibram sistemas dinâmicos, ecossistemas interdependentes de causas e efeitos. Impõe-se, então, um questionamento: as redes que ligam o Sahel à Península Ibérica e ao Mediterrâneo através do Magrebe envolvem elementos de continuidade desde a Idade Média, numa vasta região em que a história e a memória são constantemente evocadas pelos agentes políticos e sociais para se legitimarem?

 

O desafio passa, assim, por observar um mesmo território, segundo uma perspetiva de longo prazo, através de conceitos-chave, como os de centro e periferia, tribo e estado, ʿaṣabiyya (lealdade clânica), fronteira, redes e circulação. Mas há que considerar ainda que outros conceitos, de natureza religiosa – que não podem, no mundo islâmico, ser dissociados da esfera política –, contribuem para influenciar esses mesmos centros, periferias, fronteiras, redes, tribos, lealdades e unidades territoriais. É o caso do takfīr, ou excomunhão, proferido contra fações rivais, da al-walā’ wa-l-barā’, ou amizade com os correligionários e afastamento face aos rebeldes, e da jihād como narrativa destinada à coesão do grupo e ao combate a adversários, fora ou dentro da Umma – a comunidade dos crentes.

 

Mas, embora possam ser os medievalistas a suscitar estas questões, as respostas exigem uma visão integrada. Daí a pertinência de juntar historiadores especialistas em várias cronologias, arqueólogos, antropólogos, sociólogos e investigadores na área das relações internacionais e da geografia política a partilharem perspetivas com que seja possível traçar um olhar transversal sobre o Sahel, o Magrebe e a Península Ibérica.